Fábio Pereira Ribeiro
Blog EXAME Brasil no Mundo
O Brasil ainda parece viver sob o manto do retrocesso. A violência instalada no país é uma das maiores confirmações de que a democracia praticada no Brasil tem suas grandes falhas. Devemos defender a todo custo o Estado Democrático de Direito, mas precisamos rever urgentemente o modelo instalado. Com a corrupção desenfreada, a sociedade se vicia em padrões do violência, onde cada escalada da mesma se torna rotina.
As últimas semanas apresentaram ao mundo a realidade da monstruosidade política que existe no Brasil. Policiais assassinados, helicóptero da Polícia do Rio de Janeiro abatido como em um cenário de guerra na Somália (e é, né?), ex-governadores presos e ainda tentando subornar a justiça, entre outras cenas rotineiras de violência urbana e social, sem contar os indicadores do Brasil perante outros países. Sem contar jornalistas, que de forma explicita preferem salvar “bandidos” do que policiais. Nossos indicadores de Educação, Inovação, Competitividade e Liberdade, literalmente, chegaram ao fundo do poço. Somos os piores, e não adianta estarmos entre as 10 maiores economias do mundo.
A violência que estupra e sangra o Brasil parece não ter fim. Nossos políticos demonstram que não sabem o que fazer de fato, e o pior, não querem ajuda de especialista que de fato sabem o que fazer, e como tratar o problema. Os últimos 13 anos de governos Lula e Dilma, parece que alimentou mais ainda a violência, não necessariamente com fomento, mas sim com burrice estratégica e omissão, inclusive com o congelamento das atividades de inteligência e fronteiras. Temos muitos especialistas em todas as Forças Armadas e de Segurança, além dos Serviços de Inteligência, mas falta vontade política para realmente atacar o problema.
O Blog EXAME Brasil no Mundo conversou com o Coronel (R1) do Exército Brasileiro, Fernando Albuquerque Montenegro. O Coronel Fernando é um dos maiores especialistas em ações e forças especiais, inteligência, segurança e contraterrorismo do Brasil.
O Coronel Fernando Albuquerque Montenegro é Professor, Consultor, Militar, Jornalista, Formador e Palestrante. Auditor do Curso de Defesa Nacional do Instituto de Defesa Nacional de Portugal, Doutorando em Relações Internacionais e Ciência Política, Mestre em Ciências Militares e Pós-graduado em Gestão da Administração Pública, Pós-graduado em Gestão e Direção de Segurança com aproximadamente 30 anos de experiência em formação, gestão e treinamento de pessoas, gestão de grandes eventos, com atuação em comando, coordenação, planejamento estratégico, controle, gerenciamento de crise e análise de projetos no Exército Brasileiro e na iniciativa privada, com atuação generalista e estratégica em implantação de processos de melhoria da qualidade. Identificação de causa e tratamento da informação, registro e tratamento das ações corretivas e preventivas em conformidade com o sistema de gestão da qualidade. Vasta experiência na área de treinamento e desenvolvimento de equipe de alta performance, situações de extremo risco sob alto estresse, segurança VIP, mapeamento de equipe, mapeamento de indicadores quantitativos e qualitativos. Possui treinamento e prática em mídia training interagindo com imprensa. Atualmente atua também como articulista de revistas especializadas .
BRASIL NO MUNDO: Com toda sua experiência de Defesa e Segurança, como o senhor avalia o atual cenário de segurança pública do Brasil?
Coronel Fernando Albuquerque Montenegro: Começo dizendo que “o bandido armado é o que mais nos incomoda, mas o mais perigoso, tem o colarinho branco e são chamados de Vossa Excelência”. O Brasil está numa situação extremamente crítica e com estatísticas catastróficas. O que anda ocorrendo no Rio de Janeiro e Rio Grande do Norte confirma isso.
Qualquer solução teria que ser muito bem planejada e só poderíamos esperar resultados a médio prazo se houvesse continuidade nas ações dos governantes. Ano passado registraram mais de 59 mil homicídios no Brasil, sem contar com os desaparecimentos e corpos encontrados. Nessa perspectiva, creio que chegaria a mais de 70 mil mortos por vítima de violência. Isso é muito mais do que os 50 mil americanos que morreram em 14 anos de Guerra do Vietnã. Nos últimos dez anos, matou-se três vezes mais do que toda a Guerra do Iraque. Mais de 150 pessoas por dia, seis por hora ou um a cada 10 minutos. Em três dias, mata-se praticamente o mesmo número que morreu dos dois lados em todos os anos dos tão criticados (pela esquerda) governos militares (1964-1985).
A complexidade do cenário tem um agravamento exponencial quando presenciamos uma crise moral e ética sem precedentes, cujos piores exemplos vêm dos mais altos escalões dos três poderes da República. Recentemente, assisti a uma entrevista com o Fernandinho Beira-mar em que ele dizia em outras palavras que “atualmente, é muito melhor ser bandido na política (colarinho branco) do que líder de facção do narcotráfico¨.
Já trabalhei de perto com policiais civis e militares de vários estados da Federação. As polícias estaduais são extremamente politizadas, muito heterogêneas em salários, formação e recursos. Como se não bastasse, ainda tem a “banda podre”, que se envolve em todo tipo de crimes e ilícitos. Isso prejudica muito a percepção da população quando os desvios de conduta são difundidos na mídia, favorecendo a criação de várias barreiras à valorização dessa categoria.
Pouca gente sabe, mas até 1988, boa parte das unidades da Federação tinha as Polícias Militares comandadas por Coronéis do Exército que eram escolhidos pelo Ministro do Exército. Isso permitia uma independência na condução das ações. Não digo que seria uma solução para o contexto, mas essa categoria precisa se distanciar mais dos nossos políticos que, normalmente são de péssima qualidade. Na minha percepção, vários delegados, oficiais e até comandantes das PMs são muito subservientes aos governadores. Vi, em diversos estados, vários policiais civis e militares buscando apadrinhamento com a classe política em função de atividades profissionais e disciplinares.
Nosso modelo prisional é desmoralizado constantemente; seja por causa das regalias dos presidiários ou porque os líderes, mesmo presos, conseguem continuar comandando esquemas criminosos quando deveriam estar isolados.
No Rio de Janeiro, por exemplo, por ocasião da prisão de dois ex-governadores essa semana, houve tratamento diferenciado, a imprensa brasileira tem um forte “ranço” com qualquer autoridade e tende a caracterizar negativamente sempre militares, policiais e outros vetores. Até 1964, professores, jornalistas, escritores e artistas eram isentos de impostos, ou pagavam muito pouco.
Na época dos presidentes militares, buscou-se corrigir essa distorção e causou uma irritação natural com a cobrança de impostos. Isso favoreceu a inclinação desses integrantes desses segmentos de formadores de opinião a manifestarem normalmente uma posição de crítica, principalmente aos militares e policiais. Nesse contexto, encontramos um forte processo de satanização dos policiais na imprensa que é agravado pela postura do segmento dos Direitos Humanos no Brasil, extremamente politizado, que normalmente se manifesta protestando contra a morte de bandidos e se omite quando policiais são assassinados, assinalando uma postura parcial e distorcida.
Por fim, os atuais “estados falhados” constituem núcleos de propagação de terrorismo, tráfico humano e de órgãos e inúmeros outros crimes. O Brasil tem dimensões continentais e não é um estado falhado, mas existe em seu interior, “Manchas Negras”. São as áreas “não governadas”.
Essas regiões funcionam fora dos parâmetros legais, com atividades comerciais, leis e hierarquia social própria. Como exemplo podemos citar as favelas, presídios, terras indígenas e garimpos. Esses territórios também constituem núcleos de irradiação de violência, de ilícitos e do terrorismo criminal.
O tratamento do problema tem que ser sistêmico, envolvendo o Ministério das relações Exteriores para traçar protocolos de combate ao tráfico de armas e drogas com países limítrofes, Forças Armadas e Polícia Federal no controle das fronteiras, Polícias Estaduais atuando e asfixiando a economia irregular e os ilícitos nessas áreas e uma gestão eficiente do sistema carcerário.
A participação das FFAA na pacificação das favelas funcionou apenas enquanto durou a ocupação porque não havia essa integração nem objetivos políticos e estratégicos, quem determina isso não são os militares nem os policiais. Havia apenas uma missão no nível operacional e a preocupação de “fazer bonito na Copa e na Olimpíada”.
BRASIL NO MUNDO: Literalmente, a ex-Presidente Dilma Rousseff colocou a Inteligência brasileira na geladeira, e ainda fez drama com a espionagem internacional. Como o senhor vê o atual cenário do serviço de inteligência de Estado no Brasil?
Coronel Fernando Albuquerque Montenegro: Espionagem internacional sempre houve e nunca deixará de existir. A conduta da nossa ex-presidente era lamentável e prejudicou muito a imagem do Brasil. Ela dramatizou e tentou explorar politicamente o vazamento que veio à tona. Seria uma ingenuidade imaginar que os presidentes das nações não são alvos de espionagem.
Creio que agora estamos no caminho certo e espero que não haja solução de continuidade no processo que vem sendo conduzido. Aprendi que existem diferentes graus de confiança entre os sistemas de Inteligência dos países. Na minha percepção, o mais alto nível de cumplicidade ocorre, por exemplo, entre os Estados Unidos e a Inglaterra. Num segundo nível, creio que entrariam a França, Alemanha, Espanha.
A Inteligência existe para apoiar decisões de Estado. Creio que, o Partido dos Trabalhadores esforçou-se para aparelhar ao máximo e fazer uso da estrutura para apoio de sua política de Governo. Isso levou a uma reação de profissionais com carreira de Estado e acabou colocando a ABIN numa situação delicada internamente. Isso pode ter arranhado a credibilidade a nível internacional naquela época.
A extinção do GSI foi outro tiro no pé da Dilma, assim como o Collor extinguiu o SNI. Com o reestabelecimento dessa estrutura e a nomeação do General Etchegoyen, acredito que o Brasil voltará a ocupar o lugar que merece e se aproximar com mais propriedade do sistema ideal. Também temos que assumir que não há uma confiança cristalina entre todos os órgãos que compõe o sistema para a troca de informações. Há diversas razões para isso que não convém desenvolver aqui, mas o resultado final é o desnecessário trabalho paralelo de diferentes órgãos para acompanhar um mesmo contexto, prejuízo no assessoramento e tomadas de decisão.
BRASIL NO MUNDO: Como o Brasil pode ser um ambiente para o terrorismo internacional?
Coronel Fernando Albuquerque Montenegro: Creio que o cenário favorecia mais a lavagem de dinheiro do terrorismo transnacional até a Operação Lava-Jato começar a ter resultados significativos, a tendência a isso deve reduzir. A região da tríplice fronteira Brasil-Argentina-Paraguai tem uma significativa colônia muçulmana e precisará sempre ser acompanhada de perto porque favorece o “esfriamento” de terroristas procurados internacionalmente, captação de recursos para o financiamento de operações ou mesmo o recrutamento de novos jihadistas. Naquela região já foram identificadas ramificações de Facções como Hezbolah e Hammas por exemplo.
Recentemente um jihadista brasileiro foi preso, mas e os integrantes de facções do crime organizado o justiçaram dentro do presídio. Ocorre que, já temos o nosso terrorismo criminal doméstico e os níveis de violência são praticamente equivalentes ao do Daesh. A diferença é que não possuem o mesmo grau de sofisticação na produção da propaganda e nem o viés ideológico.
O crime organizado quer saber de lucro e não se adapta a fundamentalismo ideológico ou religioso. Também acho difícil o estabelecimento de uma parceria de confiança entre o segmento do crime organizado e do terrorismo.
No início de 2011 tivemos um caso de auto-radicalização violenta naquele ataque numa escola em Realengo, subúrbio do Rio de Janeiro; o autor nunca havia pisado numa mesquita, mas assimilou tudo sozinho pela internet. Esse é o caso mais provável de vir a ser replicado no Brasil, uma pessoa desajustada socialmente e mentalmente perturbada que desencadeia uma ação violenta por conta própria. Não é à toa que é o mesmo tipo de perfil dos principais casos de lobos-solitários nos Estados Unidos e na Europa.
BRASIL NO MUNDO: Considerando o Narcotráfico internacional e o contrabando de armas, o Brasil é um ambiente potencial para o terrorismo internacional?
Coronel Fernando Albuquerque Montenegro: O Brasil tem potencial para isso porque nossa fronteira terrestre (17 mil Km) é uma das mais complexas no mundo para se controlar e há muita facilidade na obtenção de armas, explosivos e drogas. O Brasil é hoje o 2º maior consumidor de cocaína do mundo; 60% dessa droga vem da Bolívia, 30% do peru e 10% da Colômbia. Também fazemos parte de uma das rotas dessa droga para chegar à Europa. Facções de narcotráfico e de outras modalidades de crime organizado têm armas e dominam técnicas, táticas e procedimentos de guerra irregular. Isso não é á toa.
Vários estudam o Mini-Manual do Guerrilheiro Urbano de Carlos Marighella. Aliás, na sua gênese, a Falange Vermelha (que depois tornou-se Comando Vermelho) assimilou o modus operandi dos terroristas que estavam presos com os criminosos comuns na Ilha Grande desencadeado ações. Outro problema sério é a deficiência no plano de desmobilização de militares quando saem das FFAA. Ex-Paraquedistas, ex-Fuzileiros Navais dentre outros ex-militares têm sido identificados integrando quadrilhas de várias de vários crimes.
Conforme eu e alguns outros estudiosos do assunto como o André Luís Woloszyn e Eduardo de Oliveira Fernandes acreditamos, o Brasil já possui uma modalidade de terror, o terrorismo criminal. Os ataques do PCC em São Paulo (2006) e do Comando Vermelho no Rio (2010) tiveram efeitos similares aos ataques ocorridos em Paris em novembro de 2015, apenas não entram na agenda internacional porque são considerados problemas “domésticos”.
Ocorre que, estamos num mundo em que a única certeza é que as mudanças irão ocorrer cada vez mais rápido. A única maneira de se antecipar a alguma forma de mutação do nosso terrorismo criminal é fazer um acompanhamento cerrado.
Não podemos esquecer que o Estado Islâmico é uma mutação da Al Qaeda. Tenho convicção de que a primeira linha de defesa de uma nação é o seu sistema de Inteligência, quem não acredita nisso está condenado ter surpresas desagradáveis.
BRASIL NO MUNDO: Nos últimos anos, o Brasil foi listado pelos principais serviços de inteligência como um “país de risco” ao terrorismo internacional considerando os problemas de corrupção política, crime organizado e segurança pública. Na sua opinião, como o Brasil poderia, de fato, neutralizar esse risco?
Coronel Fernando Albuquerque Montenegro: Conforme eu já disse acima, creio que agora estamos no caminho certo com a reativação do GSI, a nomeação do General Etchegoyen e a subordinação da ABIN, voltamos a ter uma estrutura estratégica trabalhando dentro de uma política de Estado. O problema é que não se improvisa Inteligência; leva tempo para se criar um sistema que tenha capilaridade na captação de meta-dados, profissionais capacitados para organizar, analisar as informações e produzir conhecimento de qualidade.
BRASIL NO MUNDO: O último relatório do Fórum Econômico Mundial apresentou o Brasil na posição 81 de competitividade internacional. Os motivos estão ligados diretamente com corrupção, educação e segurança. Na sua opinião, o que falta ao Brasil para reverter esse quadro?
Coronel Fernando Albuquerque Montenegro: Os investimentos em educação levam, pelo menos, vinte anos para dar algum resultado; podemos considerar essa geração praticamente perdida. Já contextualizei a segurança pública acima e, no cenário atual, é necessário um remédio amargo para estancar a epidemia de violência. A certeza da impunidade é o maior estímulo para que os criminosos intensifiquem suas ações.
Veja o helicóptero da PMRJ que foi derrubado no Rio e as ondas de ataques que Vêm ocorrendo no Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e outros estados. Mas a solução da falta de segurança exige que tenha um forte componente social. Não é possível reverter um quadro de décadas de abandono apenas aumentando o efetivo policial. É um problema multidisciplinar e precisa de profissionais sérios para ter alguma chance de ter sucesso. Desenvolver apenas ações visando votos em eleições acaba nisso.
A corrupção tem sido transversal a todos os problemas. Com os resultados que a Operação Lava-Jato tem alcançado, parece que estamos achando o caminho certo no combate à corrupção, mas é uma longa caminhada, pois essa doença foi muito aperfeiçoada e institucionalizada na última década.
BRASIL NO MUNDO: O Coronel teve grande experiência com Forças Especiais, como o senhor enxerga a profissão no futuro do Brasil?
Coronel Fernando Albuquerque Montenegro: Investir em Forças de Operações Especiais é uma tendência mundial, principalmente com a necessidade de redução dos efetivos das FFAA. É o foco na eficácia e sai muito mais barato do que grandes efetivos. Grupos menores de homens com adestramento e equipamento superior, sempre com acesso a tecnologia de ponta. O Brasil deu um salto significativo com a criação da Brigada de Operações Especiais em Goiânia e desenvolvemos bastante a interoperabilidade de nossas FOpEsp das FFAA e Policiais para atuação na reação às ameaças terroristas nos treinamentos preparatórios para a Copa FIFA 2014 e Rio 2016.
Foram realizados vários intercâmbios internacionais e treinamentos internos também. Mas a atuação desse vetor nas FFAA vai muito além do combate ao terrorismo, as FOpEsp atuam em amplo espectro. É claro que, estaríamos muito melhor se houvesse esse entendimento no congresso na hora de disponibilizar os recursos orçamentários. Uma pequena parcela dos valores que foram desviados com a corrupção nos últimos anos poderia fazer muita diferença para as FFAA, particularmente, para as Forças de Operações Especiais.
BRASIL NO MUNDO: Quais os projetos futuros do Coronel em Portugal e para o Brasil?
Coronel Fernando Albuquerque Montenegro: Publicarei no início de 2017 um livro sobre Segurança de Eventos com foco no mercado português e europeu em coautoria com meu sócio, Igor Pípolo. Estou concluindo uma pesquisa sobre o uso do espaço cibernético pelo terrorismo para comunicação estratégica pelo o Instituto da Defesa Nacional de Portugal e também estou cursando um doutorado em Relações Internacionais em Lisboa.
Em paralelo, estou negociando atuar como consultor e roteirista na produção de um filme ou uma mini série para a TV sobre operações especiais. Por fim, vou prosseguir publicando artigos, atuando como diretor de segurança, professor universitário, palestrante e consultor para empresas e governos.